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O yield dos FIIs e os indexadores dos ativos
POR
Mariano Andrade (AndradeMariano)

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Publicado em
27 / 02 / 2021
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Sócio Polo Capital
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No ano de 2020, o CDI acumulou 2,8%, o IPCA registrou 4,5% e o IGPM saltou 23,1%.


No passado, se medido contra o IGP-M, o CDI já havia produzido juro real negativo em 2019, e também em 2002, quando o dólar avançou bastante pela incerteza acerca do governo do PT que se avizinhava. Porém, há dois ineditismos no comportamento dos indexadores em 2020, quais sejam: (i) o CDI perfazendo juros reais negativos contra o IPCA, e (ii) uma diferença de quase 20 pontos percentuais entre as leituras do IGP-M e do IPCA (como referência, em 2002 a diferença foi de aproximadamente 13 pontos percentuais).


O crescimento do mercado de FIIs deu-se num período plurianual em que não se observou tal magnitude de disparidade de performance dos indexadores. Portanto, é natural que o investidor tenha dificuldades de medir a qualidade dos resultados gerados por cada gestor em 2020, bem como a replicabilidade para os próximos anos dos rendimentos auferidos em 2020. O objetivo deste artigo é chamar a atenção para algumas variáveis que podem contribuir para esta análise.


Primeiramente, é importante o investidor entender “o quê” ele está comprando ao adquirir cotas de um determinado FII.


Ao investir nas cotas de um determinado FII, o investidor pode estar comprando a qualidade da gestão, a fotografia do portfólio ou a combinação das duas coisas. Quando o investidor adquire a gestão, ele delega a escolha de ativos e de exposição da carteira aos diversos indexadores à equipe responsável por manejar o fundo. Em outras palavras, não é uma jogada de “asset allocation”.


Ao contrário, o investidor que compra um FII pelo fato de ele ter uma carteira majoritariamente indexada ao IGP-M (por exemplo) está tomando uma decisão de “asset allocation”. A exposição ao IGP-M poderia ser adquirida em outros instrumentos, via de regra mais líquidos que os FIIs, mas sem a isenção tributária. Neste caso, o cotista retém para si a decisão de vender aquelas cotas antes de o IGP-M desacelerar e os dividendos serem negativamente impactados. Não é uma tarefa trivial.


Para aqueles que “compram gestão”, há que se aprofundar a análise de retornos e riscos por conta da recente dispersão dos indexadores.


Se um determinado FII produziu um ótimo resultado em 2020 por ter alocação substancial em ativos atrelados ao IGP-M, cabem algumas perguntas. Esse retorno é replicável? Para tanto, deve-se estudar a plausibilidade da continuidade de leituras altas no IGP-M. Ou então a habilidade do gestor (e a existência de liquidez de mercado para tal) para alterar a alocação a composição da carteira de forma a capturar uma variação mais expressiva por vir em outro indexador.


Mesmo que se assuma que os ativos (atuais ou futuros) poderão contribuir muito positivamente à performance do FII pela continuação do movimento de alta indexador, há que se considerar quanto cresce o risco de continuidade das distribuições neste cenário. Por exemplo: um FII que só detenha imóveis com contratos de aluguel corrigidos pelo IGP-M está mais suscetível a pedidos de revisional ou inadimplência do que um outro FII que receba aluguéis atrelados ao IPCA. O risco de vacância futura segue na mesma direção.


Raciocínio similar vale para FIIs de CRIs. Papéis cujo lastro seja composto por dívidas atreladas ao IGP-M têm maior risco de inadimplência ou pedidos de renegociação de contratos do que papéis com lastro IPCA, CDI ou pré-fixado.


Em resumo – num ambiente econômico de juros baixos, ainda afetado por riscos atrelados à pandemia e com atividade econômica ainda cambaleante, é muito improvável que um inquilino consiga acompanhar índices de correção de 10%, 15% e, muito menos, 20% em sua despesa de aluguel. A mesma dinâmica vale para crédito: uma dívida que corre a IGPM+8%, IGPM+10% ou afins torna-se impagável se o IGP-M estampar 20%aa seguidamente.


Ou seja – demos a volta ao mundo para voltar à máxima de que não há excedente de retorno sem risco. Continua sem existir almoço grátis.


Esta análise traz à tona alguns pontos aos quais o investidor que “compra gestão” deve atentar.


A qualidade dos ativos da carteira do FII é o primeiro deles, parece óbvio, mas nunca é demais repetir. Um ativo de qualidade pior pode ter um retorno excelente (temporariamente) se o indexador ajudar. Porém, quando a variação do indexador causa ruptura (vacância, inadimplência), a qualidade do ativo é o que vai determinar a trajetória futura de retornos e, portanto, de distribuições do FII.


Para ilustrar o ponto, imagine-se um imóvel locado em contrato típico atrelado ao IGP-M. Se o inquilino não conseguir acompanhar os reajustes e rescindir o contrato, o período de vacância será tão menor quanto maior a qualidade do imóvel (localização, estado físico, facilities, etc). Além disso, um imóvel de maior qualidade tem risco menor de que a nova receita de aluguel seja inferior à original, minimizando o risco de deterioração do volume de distribuição do FII detentor daquele ativo.


O mesmo raciocínio pode ser construído para ativos de crédito. Neste caso, há que se considerar as garantias da operação. Um crédito atrelado ao IGP-M que se tornou inadimplente pela decolagem do indexador ensejará a execução da garantia. Neste caso, a chance de recuperação integral é substancialmente maior quando a operação conta com garantias performadas (i.e. imóveis prontos, com habite-se). No caso de imóveis não-performados, há um número maior de cenários possíveis, maior incerteza e, portanto, maior risco de não haver recuperação total do crédito.


Em segundo lugar, há que se destacar o valor que a diversificação de indexadores pode ter em momentos de maior risco e incerteza. Quanto maior esta diversificação na carteira subjacente, menor a chance de haver descontinuidade no fluxo de distribuições do FII.


E, finalmente, há que se considerar o preço que se paga pela cota do FII em questão. Se o fundo negocia com ágio substancial (em relação ao valor patrimonial) por conta de distribuição pretérita carreada pela alta de um indexador, o investidor deve estar ciente de que está “pagando na frente” por algo incerto. Parte do ágio pode ser a expectativa de valor agregado pela gestão nos anos vindouros, o que é perfeitamente justificável, afinal capacidade de gerar alfa normalmente não é commodity. Mas é fundamental que o investidor que “compra gestão” compreenda que, quanto maior o ágio pago na aquisição de um fundo que teve distribuições (teoricamente) acima da média, maior o componente de “asset allocation” que ele está embutindo em seu investimento.


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